sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Visita final?

"Parece que você quer dizer algo a meu respeito. Como se eu soubesse qual a questão. Que perda de tempo! Você serve exatamente para que?"
Esperei a resposta. Demorou bastante. Me concentrei no relógio de parede para tentar cronometrar o tempo, mas, me esqueci de subtrair e até mesmo de olhar para o relógio quando ele apareceu bem na minha frente. Me olhou com um ar tranquilo e disse: "A questão da morte da sua mãe continua presente a cada momento. Ela deixou de existir, enquanto você continua "sendo". E daí? Você dirá... Eu respondo por você: Não sei que importância isso tem. Nem mesmo sabemos se estamos vivos ou se estamos repetindo a existencia de outros e nos espalhamos achando que estamos em algum lugar sendo algo. Vivo essa mesma angustia, a cada instante, a cada gesto, a cada morte que me circunda." Não sabia o que dizer nem mesmo lembro o que se sucedeu. Me encontrei andando por uma trilha que chegou a um banco de madeira sem encosto. Por ali fiquei, sem sentir nada.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Visita VI

"Vou te chamar de contradição!" Foi assim que acordei procurando a minha volta. "Porque você disse que não podemos existir sem simbolizar e me propõe, de maneira irresponsável, esquecermos isso e simplesmente filosofarmos. Que tipo de tolo você pensa que sou para continuar falando com você depois desta proposta idiota? Você é exatamente o que eu já desconfiava: uma assombração vazia, tola..." Houve um profundo silêncio. O ambiente estava vestido de algo onírico. Meu estado era de confusão em terras limítrofes entre sono e vigília. O visitante nada disse. Seu silêncio se tornou pertubador e ondas de tremor tomaram conta do meu corpo. Depois de algum tempo ( não sei dizer quanto) ouvi sua voz, desta vez aveludada, dizer: "Você pode desistir deste diálogo quando quiser. Não é obrigado a conviver comigo. Pense bem aonde quer chegar com seus desejos e reflexões. Saiba que meu julgamento não importa e que a chave de nossa convivência simplesmente não existe. Romancear tudo a sua volta não responde, nem de longe, a questão que você mais persegue."
Levantei-me como que convulcionado e vomitei o sanduiche com cerveja que havia no meu estômago e eu nem sabia.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Visita V


Abri os olhos e me encontrava ainda sentando na poltrona de couro surrado. Ele estava por perto, porém, sua presença falhava como um sinal de rádio que sofre interferência. Então ele disse com uma voz fraca e distante: "O humano só consegue existir por causa da capacidade de simbolizar o mundo. A questão semântica para o humano é de uma importância radical. Sim..a raiz da experiência humana está capacidade e necessidade de dar sentido, de existir por e para um símbolo construido por nós."
Fechei os ohos e disse: "Porque pensar nessas coisas? São construções filosóficas... a necessidade de contruí-las que te trouxe aqui? Como se você quisesse ser e dizer algo por meio das minhas reflexões. Que bobagem! Tudo que se diz hoje já foi dito em algum momento. Essa impotência de não se dizer nada de novo me paralisa e para compensar essa paralisia criei uma alucinação que é você." Calei-me esperando uma reação do visitante. Ele repondeu prontamente: "Tá vendo? Você ta tentando dar sentido a minha existência! Não seria melhor aproveitar nosso diálogo para entender outras coisas? Simplesmente filosofar, sem simbolizar, sem controlar...
Levantei-me e procurei o visitante que havia sumido.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Visita IV

O que houve no último encontro não me intriga mais do que o rumo que nossa conversa havia tomado. O meu visitante estava querendo me entender e eu querendo entendê-lo. Como quem está lendo esse relato pensa em interferir no que digo. Penso que acabam interferindo mesmo, pois, tenho que dar conta de alguma coerência, o que é em si incoerente, já que não faço idéia que conexões e estímulos crio com essas linhas.

"Olá meu caro" Ele apareceu em algum lugar atrás de mim, só que dessa vez não consegui vê-lo a não ser por um vulto na minha visão periférica, entretanto, a voz estava bem viva. "Você não me verá agora por questões de economia de energia" Disse isso em tom brincalhão. Então relaxei na poltrona de couro surrado e disse: "Vamos retomar ou vamos em frente?" Ele disse: "Vamos em frente." Categórico. "Quero falar de conexões e obviamente de economia, dessa economia que você mensionou." "A de energia?" disse ele interessado e sua voz parecia mais viva, mais energética, se é que isso quer dizer algo... Então ele começou a falar com cuidado: "As conexões estão por toda parte, não podemos fugir nem buscá-las, elas simplesmente estão aí a dispeito de nossos desejos. Não sei se fica claro pra você que a economia que mensionei tem a ver com as conexões, com os encontros e desencontros que desencadeiam consequencias energéticas a todos em todos os mundos" "Todos os mundos?" Indaguei surpreso. "Sim mas isso não pode ser explicado, pois não há uma explicação que a linguagem abarque" Ele sumiu. Eu dormi.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Visita III



"Já que você não está à vontade, façamos o seguinte: diga coisas sobre seu tempo usando associação livre de palavras, ou frases ou parágrafos..."


Me veio de novo a preguiça. E essa preguiça era algo a se pensar, já que eu estava vivendo um momento extraordinário. O encontro com um morto que tinha contornos de ter sido um ilustre alguém me dava preguiça? Como? Porque? Aproveitei como gancho o meu proprio pensamento e comecei a falar: "Indiferença traduz meu tempo, consumo, medo, informática, informação, difusão, disfunção, depressão, medo..." Nesse momento ele me interrompeu: "Você repetiu medo. Sabe porque?" Respondi: " Não... podia ter sido indiferença também... Ou qualquer uma dessas palavras. O que importa? O medo permeia a experiência humana desde sempre..." Ele me interrompeu com um gesto para que eu parasse de falar: "Voce está fugindo. Está com medo? Está tentando manipular um morto? Eu morri meu caro...Estou aqui para..." Eu o interrompi irritado: "Pois é... que tal você me dizer pra que você apareceu para mim? Que tal você falar de você um pouco? Para que se abra um canal de confiança entre nós?" Ele abaixou a cabeça olhou para as próprias mãos, olhou para mim com um ar de tristeza e respondeu num sussurro: "Isso não será possivel." Eu respondi prontamente: "Então foda-se! " Ele sumiu literalmente em um piscar de olhos.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Visita II

http://www.artnet.com/ag/fulltextsearch.asp?searchstring=Don+Van+Vliet


Por algum tempo houve um silêncio tranquilo, até que ele me perguntou de forma direta, quase abrupta: "Você se acha uma pessoa integrada ao seu tempo?" Ohei para ele me sentindo cansado daquele momento, não cansado da conversa, pois, não haviamos falado muito. Sentia-me cansado profundamente, sem energia. Respondi: "Sua pergunta é muito ampla, portanto, prefiro não desenvolver uma resposta, pois, ficarei com a sensação de que foi pequena minha contribuição para suas dúvidas. Sei que você dirá que não importa o quanto minha resposta é completa ou não... Ele me interrompeu: "Você ainda está pouco à vontade comigo. Espero que isso passe logo e que possamos conversar mais e melhor, entretanto, posso lhe dizer que você me dá sinais de não estar satisfeito com o seu tempo e acho que essa insatisfação pode ter a ver com uma coisa que lhe é muito cara: o esclarecimento. Quer falar sobre isso?"

Me veio uma onda de energia e curiosidade no momento que ele falou sobre o esclarecimento, pois é algo que me faz pensar bastante há algum tempo. Me senti revigorado e percebi que de alguma forma aquela estranha visita poderia me dar mais do que uma experência sobrenatural.

Então respondi: "Não vou entrar no mérito de como você sabe de algo que venho pensando e que não cometei com ninguém. Vamos ao que interessa que é falar sobre essa questão. Acho que o esclarecimento não está em nenhuma pauta em nenhuma área da experiência humana contemporânea. Não sei o porque disso, mas me parece que a humanidade não está interessada em discutir e esclarecer. A comunicação parece ter alcançado a todos, porém, o mesmo não ocorre com a difusão do esclarecimento."
Ele me olhou como se seu olhar me atravessasse, fechou os olhos e disse: "Desculpa eu preciso descansar" Levantou-se e saiu pela parede.
Pensei se realmente vou encarar isso com naturalidade ou se estou só atuando.