terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Macedonio Fernández


Para uma teoria humorística (fragmentos)

A: Foram tantos que faltaram que se faltar mais um não vai caber.
B: E quem faltou por último?
A: Lembro-me que faltaram juntos o último a faltar e o que faltou mais.
B: Nesse caso, seria bom fazer uma lista dos nomes dos que faltaram, como se faz no Instituto de Dissertações.
A: Não creio, pois no dia seguinte, quando as pessoas que ao compareceram se encontrassem, haveria querelas sobre prioridade. “Faltei antes de você.” “Eu era o décimo e não o décimo quarto.” “Faltei imediatamente depois de Gomez.” “O senhor me inscreveu de forma errônea.” E alguém que soubesse pedir desculpas diria: “Faltei, é verdade, mas fui um dos primeiros.”
B: Bem, se minha proposta não serve o que se deveria dizer em tais casos? O que você pensa? Pois, se deixarmos as coisas assim, sem mais nem menos, a oratória se vai tornar um gênero em vias de extinção.
A: Pensei nisso também. Poder-se-iam primeiro dar as conferências e só depois anunciá-las. Ou fazer como no “Círculo dos Intelectuais”: “Hoje não dá conferência o romancista fulano de tal”. Como não haveria hora indicada, não se poderia falar de ausência, e desse modo teíamos sempre auditório completo.
B: Poderíamos também espalhar o seguinte boato: Acuña, o renomado conferencista, costuma publicar depois de suas conferências as opiniões mais comprometedoras dos ausentes. “Domingues, que faltou à última conferência, disse que era a única que valia a pena assistir.”Outro opinaria que a nulidade dos conferencista de Buenos Aires é tal que não fosse a genialidade do conferencista Acuña, perderíamos a nossa reputação diante da opinião mundial. Então, todos assíduos ausentes de suas conferências teriam medo de faltar mais uma vez e provocar a ira dos demais conferencistas desacreditados por esses elogios ( e, graças a esses medo, teríamos assistência regular). Em suma, ao cabo de certo tempo, a conferência a que mais se temeria não assistir seria a de Acunã, e nenhum julgamento seria tão temido quanto os dos famosos faltantes das conferências do famoso Acuña.
A: Coloco-me no lugar de Acuña: para desautorizar as opiniões elogiosas que se atribuem aos seus ausentes e lhe valeram a malevolência dos demais conferencistas, ele deverá dar certificados de inassiduidade aos que comparecerem para que não sofram represálias dos dissertadores , por terem ido assistir Acuña.
B: “Certifico que o Sr. Dudino Rodriguez é o faltante, mas assíduo de minhas conferências”, dirão os certificados de ausência.
A: Mas entre os ausentes há não somente os mais assíduos, como também os melhores.
B: Poder-se-ia dizer de um deles: “Só deixou de faltar uma única vez por motivo de doença.”
A: Com essa diplomacia extra-oficial da ausência...
B: Acuña poderá proclamar que era mentira flagrante a que se espalhava, de que em suas conferências não haveria mais lugar para ausentes,enquanto nas dos outros não cabiam mais concorrentes.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Aos Caros Imbecis

Esse espaço está dedicado a reflexão. Todas as palavras aqui escritas pretendem algo, dizem algo, sonham algo. Como se fosse possível sim, a transmutação de palavras em mais do que sentidos em sentimentos.
Aqueles que não sentem o gosto das palavras. Aqueles que as usam como simples pedaços da comunicação: para pedir água, uma taça, um prato ou um tempo.
Os caros imbecis estão sempre se dedicando ao sofisma. Uma prática corajosa, mas que não me interessa de modo algum. Então não venham!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Tinta preta

Ela se aproxima em preto e branco
Toca meu rosto como se fosse seu
Não me desfaço a cada toque
Mas, o nanquim ocupa o lugar do que era antes controle

O desejo ocupa o espaço do que era antes controle
Fica impresso em tinta preta o sorriso
Antes nem conhecia
Agora vejo de perto em uma janela feita de memória

Sua forma de violão segue as escadarias
Seu pincel agora me pertence
Seu toque ficou preto na pele
Sua voz só agora me alcança

Seus beijos
Seus cheiros
Seu toque de tinta nanquim
Olhos de quem ja viveu, de quem já me conhece, de quem prevê o futuro nas manchas de tinta preta do meu rosto

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Felicidade e Literatura



Henry James, por exemplo, deve ter sido um homem infeliz e melancólico, mas isso não tornava sua vocação estéril, muito pelo contrário: pensava que esse estado era oportuno para construir um argumento. A felicidade não precisa ser transmutada em beleza, pois se trata de um fim em si mesmo.
por Borges em: Sobre os sonhos e outros diálogos